SOBRE RUIVOS E FORMIGAS
Graziela pintou os cabelos. Ficou ruiva e detestou. Eu gostei, achei diferente, bendita ela que tem cabelos longos que ficam bonitos em qualquer cor. Quer retornar aos antigos castanhos, por mim ficaria assim um bom tempo, gosto quando ela passa deixando aquele vermelho espalhado no ar e me trazendo recordações. Certa vez, a minha classe no colégio Osvaldo Cruz recebeu dois novos alunos. Era maio e o frio começava a chegar. O casal de irmãos entrou na sala timidamente, cada um sentou-se num canto. Vestiam casacos leves e usavam capuz. Só no quarto dia revelaram o segredo: ambos eram ruivos. Diante do assombro de todos, fui o primeiro a dar-lhes a mão, não representavam para mim nenhuma espécie de perigo, embora o fascínio daqueles fios vermelhos atiçando o vento.
Foi fácil fazer amizade com o menino. Renato adorava formigas, tinha o costume estranho de segui-las pelos gramados, queria saber onde daria o caminho e ficava contente quando se via diante do fim da trilha, e apontava aos gritos o formigueiro. Sem perceber, acabei adquirindo o mesmo costume. Até hoje, quando vejo uma trilha de formigas, sinto vontade de segui-las até encontrar o formigueiro. Me contenho no medo bobo de me tornar um adulto tolo que segue formigas.
Roberta era linda e sabia disso. Impunha o respeito misturado com admiração e nós, pobres garotos, medíamos cada palavra quando era preciso falar com ela. “cabelos ruivos hipnotizam” disse uma professora. De fato, aqueles novos amigos, encantaram a todos.
Um dia fui até a casa deles fazer o trabalho de ciências. A mãe me recebeu com total cordialidade e carinho, fez bolo de fubá, café com leite, contou histórias da outra cidade na qual moravam. Tinha o riso fácil. Achei estranho seus cabelos negros que nada lembravam os dos filhos. Lá pelas seis da tarde, o pai dos meus amigos surgiu na porta de entrada e o mistério se desvendou: Era um senhor enorme, bastante gordo, devia ter a minha idade de hoje. Em destaque os cabelos encaracolados e completamente ruivos. Usava bigodes e barba no queixo, tudo vermelho, se transformando numa espécie de ser de outro planeta. Mal se sentou no sofá e já foi acendendo um cigarro e todos saímos de perto dele.
No final daquele ano meus amigos foram embora para outra cidade. Estavam acostumados, a profissão do pai os obrigava àquelas mudanças. Nunca mais tive notícias. Tentei encontrá-los no Facebook, mas não me recordo o sobrenome e então a tarefa se tornou impossível. Fico com eles guardados na lembrança e na esperança que tenham se dado bem, já fazendo minha tarefa de escritor, compondo histórias: Roberta se casou e foi morar em outro país, tem três filhos, todos ruivos. Renato se transformou num homem enorme feito o pai, dá aulas de biologia numa faculdades e mantêm a doçura de criança. Mora numa casa de vasto quintal que dá de fundos a uma pequena mata. Diversas vezes é pego seguindo os caminhos das formigas.