A ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO
Talyssa estuda engenharia e desde pequena gosta de matemática, mas às vezes se atrapalha com a escrita. Certo dia me disse de supetão: “Tio, o senhor precisa me ensinar português”. Tremi na base. O pedido surgiu depois que ela leu uma crônica que escrevi e imaginou que eu fosse uma espécie de catedrático da língua culta. Pobre de mim, que sofro com as regras gramaticais e tento, com meus ouvidos mancos, enxergar alguma coisa no escuro das letras. Sou um contador de histórias que acerta na maioria das vezes ao escrever, por instinto e costume, mas que inadvertidamente, também apanha da gramática: atrapalho-me com o uso dos porquês, separo o que é junto, junto o que é separado, coloco vírgula depois do sujeito, prejudicando o predicado, o meu verbo nem sempre concorda com o sujeito e custo a entender a diferença entre substantivo simples e composto. Invejo com toda força aquele que domina as regras do português. Da língua que falo nesse meu confesso, que me salve Bilac, que é exatamente por “não conhecê-la por completo que navega a minha adoração”. Dias atrás, na rede social, escrevi errado uma palavra e um amigo me corrigiu em letras garrafais. Não fiquei chateado, apenas surpreso. Por paradoxo, eu também costumo corrigir quem fala errado, condeno o uso excessivo de gerúndios e quem usa o vocábulo mim para conjugar verbos. Mim não faz, eu faço, simples assim. A verdade é que a língua portuguesa é mesmo complexa e de difícil compreensão. Não quero com isso incentivar quem escreve errado, apenas relato as minhas limitações de escrita e, sem desejar qualquer comparação ou expor pretensões, no final do degrau da escada que me vejo sentado, afirmo que muitos escritores tropeçavam na gramática e não se incomodavam com isso: Lobato fazia questão de grafar o vocábulo sem acento. Considerava inútil “essa invenção dos gramáticos”. José de Alencar, no romance Senhora, imaginou um personagem que criticava os erros de seu romance anterior. Drummond foi atacado por causa do verso “no meio do caminho tinha uma pedra”, porque os eruditos não aceitavam a adoção do verbo ter com o sentido de haver, existir. E agora, num repente, recordei que estranhei Guimarães Rosa, no Grande Sertão: Veredas, numa parte da fala de um jagunço: “pão ou pães, é questão de opiniães”. Hoje entendo o que o grande Rosa quis dizer: é certo escrever o que se fala, o sertão está em toda parte, inclusive na escrita. E o que dizer de Saramago? Para acompanhar a leitura do Nobel de literatura, é preciso fôlego, vez que seu texto passeia saltando acima de todas as regras sintáticas, sem pontos, sem travessões, em que a vírgula dá o tom da história, que se desenvolve mesmo assim, bela e cativante. Por fim, peço novamente emprestado trechos do poema de Bilac, que eu, atento e desleixado, aliso com carinho a última flor do Lácio, inculta e bela, fascinado pelo aroma que ao todo me toma, ó rude e doloroso idioma.