Vó Aurora, a querida Lolinha, tinha um jeito peculiar de viver. Participava ativamente da vida de todos nós à sua volta, mas em alguns momentos dava mostras que se perdia por algum campo imaginário de difícil explicação. Vagava em pensamentos indecifráveis e balbuciava coisas incompreensíveis.
Eu percebia e a trazia de volta ao mundo real com minha curiosidade de criança: “no que a senhora está pensando?” era a pergunta freqüente e ela, aos poucos, voltava para o presente com a resposta de sempre: “isias coisas”. Isias era a forma que ela trazia de berço e significava a simplificação da palavra várias.
Várias coisas vagavam pelos pensamentos da minha avó. Tentei usar essa palavra com os amigos, algo assim: amanhã vai ter prova e vão cairisias coisas, precisamos estudar. Diante do assombro que a palavra causava, aos poucos a fui deletando do meu vocabulário, era algo que só eu e minha avó entendíamos e não sabia, nem queria, explicar o complexo significado daquela palavra.
O tempo passou e Lolinha foi morar no céu, deixando em meu peito a saudade e o carinho perene. Às vezes sonho com ela que se aproxima arrastando os pés, naquele leve barulho que nunca esqueci no seu jeito cândido me diz que “isias” coisas boas me aguardam assim que o sol nascer. Quando isso acontece, acordo numa felicidade tamanha, uma vontade imensa de viver e o dia se torna melhor.
Tentei usar a isias com meus filhos, mas diante de total espanto, me resguardei. Isias é coisa minha e de Lolinha, ninguém mais. Entenderiam melhor se eu usasse alguma onomatopéia, sei imitar perfeitamente o coachar do sapo entre outros bichos. Porém, sinto vontade de inventar alguma palavra que somente nós entendamos, porque aprendi algumas coisas que eles falam tipo “pai, você ta de zua comigo? Esquenta comigo não, to de boa, tá ligado, pai?
To sussa, bazinga!”, que até pouco tempo eu não entendia, mas fui aprender, são coisas que hoje dizemos, estão lá fora, na boca de todos, assim como já estiveram à beça, bicho, broto, sacou, supimpa e tantas outras que aos poucos foram sumindo do vocabulário popular.
Ah, bons tempos de outrora que a gente entrava na fossa, mas não existia a tal depressão, que da fossa a gente saía e a depressão mata. Depois de pensar em isias alternativas, uma palavra me vem à mente, movida pelo estranho hábito de sugerir o absurdo: Siker-Meraki, mistura de húngaro com o grego, que quer dizer sucesso com amor e criatividade.
SIKER – MERAKI
Sei que eles vão gostar e no futuro, quem sabe daqui a cinquenta anos, quando eu estiver do lado de Lolinha, eles sonhem comigo e eu vou dizer em seus ouvidos: siker-meraki, e entenderão que é hora de levantar, ir à luta, que isias coisas boas lá fora estão por vir.