Meu filho Bruno adora mangás e animes.
Quando lhe contei sobre como descobri a existência do Japão, ele abriu um sorriso e me mostrou um parafuso guardado na gaveta, desses novos, com carinha de smiley estampada como se fosse um sorriso.
Mas afinal, o quê tem a ver a terra do sol nascente com o parafuso?
Primeiro um volteio, num dia de outros outonos, ao instante que a esposa de um antigo vizinho, num tropel pelas ruas do bairro Guanandi, apanhou um objeto no chão e o ergueu até perto dos meus olhos: “o mundo não seria nada se não fossem os parafusos” – disse, fazendo aparecer a boca que o buço forte escondia, embaçada num olhar ao mesmo tempo sério e contemplativo.
Olhando atentamente para a cabeça do parafuso, li a frase impactante: made in Japan.
De posse do parafuso, pesquisei nos livros e logo fiquei sabendo se tratar de um país distante, exatamente do outro lado do planeta.
Alguém mais velho garantiu: “para chegar lá, basta cavar um buraco e depois se atirar a uma viagem até a terra do lendário povo dos olhos puxados.
Fiquei fascinado!
Quem poderia supor, debaixo dos nossos pés, existia um lugar fabuloso, antes impenetrável, mas agora bastava cavar para chegar até lá?
Quando contei a novidade, meu amigo Zé Lata ficou extasiado; no instante seguinte, já retirávamos com as mãos a terra barrenta da Sapolândia.
Desistimos da empreitada logo após os primeiros ventos de frio.
Tempos depois, no colégio Oswaldo Cruz, vi-me cercado por nisseis, e a amizade logo surgiu, marcada pelo riso aberto enfeitando aqueles olhos riscados: Oshiro, Arakaki, Katayama, Higa, Mori, Hokama, Paulino, Rose, Reginaldo, Maurício…
Com eles aprendi o significado do sol vermelho estampado na bandeira branca, também sobre a neve que cobria o topo da montanha, as histórias dos corajosos samurais, a valentia insana dos kamikazes, sobre o império e as encantadoras gueixas em seus vestidos de seda e dos cabelos presos num coque deslumbrante.
E a tristeza marcada nos rostos dos olhos puxados à simples menção do nome Hiroshima, “a rosa com cirrose, a anti rosa atômica”, que enfeita de forma triste os versos transformados em melodia na voz do Ney Matogrosso.
Agora me percorre a lembrança do friso pasmo em meu rosto ao me dar de frente pela primeira vez com alguém usando um kimono e ostentando com orgulho uma faixa preta presa à barriga.
O tempo passou, Made in Japan, a frase novamente ecoa pela minha memória enquanto afago os cachos dos cabelos do meu filho, adentrando ao seu sonho de conhecer o Japão, não por conta de um parafuso, ou via um buraco que atravesse a terra, mas pelos mangás e animes, sua adoração, desejo que agora também é meu, movido pela imensa vontade de ver de perto a neve que cobre o topo da montanha, o sol nascer no horizonte inverso, tão vermelho quanto está exposto na bandeira branca do Japão.
E num momento de pura magia, me perco sonhando enquanto aperto com os dedos o parafuso, desses novos, com a carinha sorridente, tipo smiley, desenhada na cabeça.