Por que você gosta de escrever ficção e fantasia, quando há tanto a se dizer da realidade? A pergunta ficou ecoando por dias em minha mente. E como todas as coisas que me dizem tanto, recolhi sentidos diversos para entendê-la em sua importância. Desses pensamentos, nasceu essa crônica de memória, metalinguagem e poesia. Uma das crônicas que me ajudam a entender porque, mesmo com tantas dificuldades e corridas contra o tempo, é tão bom contar histórias.
Como todas as narrativas costuradas com pedacinhos de realidades, não sei bem onde estava a primeira linha com que teço essas palavras. Eu a encontro perdida há muitos anos, quando ainda era criança e meu universo se resumia a um quintal, alguns gibis, fotonovelas, livros e as histórias que os adultos contavam. Brincava muito, lia muito.
No quintal, havia uma mangueira que ainda hoje resiste e era uma das minhas favoritas. Lá nos galhos mais altos eu realmente descobri alguns sentidos para a palavra liberdade. Quem teve em uma árvore uma melhor amiga sabe o que é compartilhar descobertas, tristezas, alegrias. Lá, eu também aprendi a entender o poder da imaginação.
Então, não sei bem como começou. Sei das imagens e sentimentos que o tempo guardou. Com estas, fui tecendo novas pontas àquela linha primeira e com elas, escrevo de como e porque aprendi a amar histórias de imaginação e fantasia. A gostar de miudezas. Ao leitor, tenho a dizer: essa não é uma história inventada. Talvez, reinventada. Mas tem realidades demais. Compartilho-as com pinceladas de imaginação e trato com a linguagem. Compartilho também que é parte de um livro que escrevo há muitos e muitos anos.
Eu sempre fui fascinada pelas criaturas pequenas. Pois em uma das tardes quando brincava no galho mais alto e favorito da mangueira, eu encostei por uns instantes a orelha em um galho fininho.
De repente, eu ouvi ruídos, barulhinhos diversos. Aproximei ainda mais a orelha. Ouvi mais.
Conseguem imaginar a sensação? A descoberta? O fascínio? Havia algo ali, talvez, se movendo no oco do galho.
O que seria?
Insetos? Formigas? Não.
Eu soube que eram criaturinhas, parecidas comigo, quase humanas. Minúsculas.
Eram pessoas arrastando móveis. Talvez, organizassem uma festa e estivessem faxinando.
Por vários dias eu estive imóvel junto ao galho, ouvindo. Quando havia silêncio, eu insistia, vez ou outra, tentei movê-lo para que pudesse causar uma reação, mas sempre com muito cuidado.
Um dia, por acaso eu descobri o que havia no galho. A razão dos barulhos. Neste momento, talvez você espere pela confissão de loucura, pela revelação de um segredo incrível, que dentro da minha amada mangueira, viviam seres inimagináveis.
Talvez. Mas verdade é que eu, ao encostar minha cabeça no galhinho, fazia com que ele encostasse em outro galho. Do encontro dos dois, surgiam os ruídos que tanto me inspiraram.
Sim. Houve silêncio, espanto, decepção. Até risos.
Tristeza também.
Minha fantasia mais bonita se desmanchava e fiquei triste por uns dias. Eu havia descoberto uma ruptura no mundo “real”, um universo escondido, mas que a lógica, em pouco tempo, mostrou ser apenas um fato da realidade. Eu não teria mais os meus amiguinhos invisíveis? Mas, há sempre um algo a mais.
Afinal, por que não? Eu estava com saudades da sensação. Dos segredos, das conversas. E um dia, encostei a cabeça com saudade, quase esperando um carinho e de olhos fechados, escutei a vida voltando ao interior do pequeno galho. Não importava que eu conhecesse o mecanismo. Não importava que tudo se tratasse de fricção. Era tudo ficção.
Eles nunca iriam acabar. Eram já vivos em minha mente, em minha alma. E eu sorri, eu imaginei e eu brinquei. Depois, fui me ocupar de outras ocupações de criança ser.
Eu havia descoberto mundos ocultos e maravilhosos que nem sempre se poderia enxergar e por um acaso, os descobríamos. Que nossa mente poderia aumentar estes universos e quando este mundo foi tirado de mim, soube que cabia a mim, buscá-lo. E com essa mesma curiosidade, hoje eu escrevo, invento mundos, metáforas. Porque as coisas existem a espera de ser encontradas, narradas, reinventadas. Para isso e por isso, contamos histórias.
Eu posso falar de realidade. Mas eu gosto de falar de imaginações. Porque elas também são parte da realidade e alimentam a alma.
Por elas, eu escrevo e talvez, em algum lugar, alguém goste dessas escritas.
Autor: Tânia Souza