O conto do cavalo

Era um campo verdejante, rodeado por árvores de um verde viçoso.
Um grupo de cavalos pastava por ali todos os dias.
O cavalo mais belo era branco, da crina longa e do relinchar tão forte que acalmava o vento.
Os outros cavalos o seguiam.
Num dia de tempestade, um raio caiu perto dos cavalos e cegou o belo corcel branco.
O fazendeiro se aproximou e apontou a espingarda, mas sua filha apertou suas mãos pouco antes, apontando para o cavalo cinza que se aproximava.
O bicho cinza roçou a anca do cavalo branco, fazendo movimentos repetitivos até que o outro acompanhasse o seu trotar.
O homem recuou e secou do rosto inocente da filha a gota de lágrima escorrendo pelo rosto sardento, já armando na cabeça  uma ideia e logo a colocou em prática: prendeu um sino no pescoço do cavalo cinza e assim, a cada passo caminhado, o cavalo branco e cego o seguia através do badalar do sino.
Passaram-se os dias e a alegria estampada no rosto da filha diante da cena – o cavalo branco seguindo o cavalo cinza a cada som do sino – fazia o velho fazendeiro completamente feliz.
Mas veio outra tempestade e um raio caiu novamente, bem perto do cavalo branco.
O bicho se levantou a custo, mas não seguiu o cavalo cinza, embora o trotar desesperado bem perto dele e o sino tocando incessantemente.
O cavalo branco e cego estava completamente surdo.
O fazendeiro se aproximou e lamentou a fatalidade: com tanto pasto, o raio caiu perto exatamente do cavalo branco.
Apontou a espingarda em direção ao cavalo branco, mas antes do tiro fatal, sua filha o apanhou pelo braço, acenando para um monte de esterco perto das patas do cavalo cinza.
O fazendeiro secou o suor da testa e fez um agrado nos cabelos da menina, absorto num pensamento de contentamento sem tamanho diante de genialidade da filha: sim, bastava encharcar a rabo do cavalo cinza de esterco que o cavalo branco o seguiria através do cheiro.
E assim foi feito.
Os dias se passaram e o fazendeiro se encarregou de todos os dias abarrotar o rabo do cavalo cinza de bosta, logo no amanhecer do dia, sempre ao lado da filha e seu indefectível sorriso.
Mas as tempestades nunca tardam.
Num dia que o tempo mudou de repente, um novo raio caiu no campo verdejante, acertou o chão, veio correndo e atingiu o único bicho que não correu – porque não viu a luz do raio, não escutou o barulho do trovão e o cheiro da bosta não foi suficiente para alertá-lo a tempo -.
O fazendeiro coçou o nariz e depois o cocoruto, triste ao verificar que o cavalo branco não mais conseguia sentir o cheiro de nada.
Cego, surdo e sem olfato.
Apontou a espingarda e olhou para a filha. A menina apenas chorava. O fazendeiro respirou fundo, recolheu os ombros por instantes e logo depois apontou novamente a espingarda para o cavalo.
De repente, num raio de luz, a menina correu afoita na direção do pai, havia concebido uma nova ideia e o sorriso cortou o seu rosto infantil.
Mas não teve tempo de chegar até o pai: num trotar cego, surdo e sem cheiro, o cavalo branco foi à sua direção num magnífico relinchar e lhe desferiu um certeiro coice.
Com as duas mãos na cabeça, o fazendeiro correu até a filha caída, desacordada.
Respirou aliviado ao perceber que apenas desmaiara.
Então levantou-se, apanhou a espingarda, apontou na direção do cavalo branco e atirou certeiro na cabeça do bicho que já devia ter morrido no primeiro raio…
A menina acordou e não se lembrava de nada, na cabeça apenas um som misturado de trovão com relincho e a imagem embaçada de algo muito grande e branco despencando entre o verde viçoso da campina.

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