Pouco antes de começar a escrever esse texto, perdi cerca de cinco minutos à procura dos meus óculos, até perceber que o danado estava grudado por sobre a minha cabeça.
Impressionante o tanto que me tornei escravo desse simples objeto.
Dessas coisas que o passar do tempo me faz aborrecer; pressão alta, diabetes, esquecimentos, nada me incomoda mais do que a lenta perda da visão.
Não faz muito tempo que sou dependente do uso de óculos, cinco ou seis anos, a minha deficiência é pequena, menos de dois graus, e uso apenas para enxergar o que está perto.
É mal tão indesejado que tem o terrível nome de presbiopia, ou simplesmente vista cansada.
Ironicamente vejo perfeitamente o que está longe, mas não consigo enxergar a um palmo do nariz.
Na ânsia de por fim a esse pesadelo, comprei na farmácia cinco pares de óculos, que espalhei por diversos locais; a mesa de trabalho, a cabeceira da cama, o console do carro, no banheiro, acima da tevê e resisti bravamente à vontade de deixar um na porta da geladeira, que sempre abro, às vezes apenas por abrir, mas que me pareceu um lugar lógico para guardar tão precioso objeto.
Não tardou uma semana para perder os cinco.
Estou sempre com a interrogação na ponta da língua: cadê os meus óculos?
De um modo automático, sem perceber, coloco os óculos presos acima da cabeça e fico parecido a um inseto dos olhos tortos.
Sim, já pensei em cirurgia, mas tenho medo de cortes na carne, pensei em lentes de contato, mas me apavora imaginar a dependência de colírios, fora que não conseguirei acertar os pingos nas vista e isso irá me atormentar ainda mais que procurar os óculos, além, é claro, da certeza pujante que perderei as lentes logo nas primeiras semanas.
Eu já dormi usando óculos, porque preciso deles apenas para leituras e não consigo pegar no sono sem antes ler.
Também já tive um sonho esquisito, no qual estou usando óculos e, do nada, surge um bandido, daqueles dos quadrinhos, vestido de riscado e com tiras nos olhos, tão empolgado que desprezou meu carro e o dinheiro, e saiu em disparada, sorrindo enlouquecido, levando nas mãos apenas meus óculos, porque não visava lucros ou fortunas, era apenas um quase cego feito eu.
Para acrescer o sofrimento, as lentes dos meus óculos vivem embaçadas.
Não há solução no mundo capaz de deixá-las limpas.
E se você também usa óculos, tome cuidado ao chegar perto de mim.
É que de tanto limpar o meu, acabei pegando o irresistível costume de acusar o embaçar dos óculos alheios, faço isso numa naturalidade comovente, como uma criança que se depara com o brinquedo quebrado nos braços de outra criança.
E se a pessoa é um amigo ou parente, não resisto em apanhar seus óculos e limpar com esmero, na ponta da camisa ou em qualquer fiapo de pano que estiver ao alcance.
Agora, enquanto limpo novamente as lentes embaçadas, me pego pensando se não ficaria muito cafona se eu usasse aquelas cordinhas que amarram os óculos em volta do pescoço, conformado que, sem isso, estou condenado a viver eternamente com eles levantados acima da cabeça.