– Garçom, um chope.
– Dois, o meu no colarinho.
– Mas que cara é essa, Vladimir?
– Como assim?
– Tá estranha, vermelha, mas lá no fundo está alegre.
– ah, deve ser por causa do sonho.
– Sonho? Que foi dessa vez? Um vulcão explodiu no centro de Campo Grande, um Tsunami arrasou a costa brasileira?
– Não, não, foi coisa pouca dessa vez.
– Nenhum desastre, nenhuma catástrofe?
– Mais ou menos…o avião caiu, só isso.
– Só isso! Porra Vladimir, queda de avião é uma desgraça!
– Mas eu sobrevivi.
– Você sempre sobrevive.
– Eu e mais alguém…
– Ah, não, a Madona de novo?
– Posso contar o sonho?
– Espere, deixa eu beber o resto da caneca. Pronto, pode começar, garçom, trás mais um chope.
– Dois, o meu no colarinho.
– Então o avião caiu?
– Caiu, de repente, do nada, estávamos todos lá em cima, os Rolling Stones já iam começar a tocar.
– Espere! Os Rolling Stones estavam no voo?
– Sim, eles, Roberto Carlos, os Paralamas e o Peninha. E outros que antes da queda não consegui distinguir.
– E caiu no mar?
– Como você sabe?
– Pra ter sobreviventes, só caindo no mar.
– Sai ileso, nenhum machucado, nada.
– Você tem muita sorte, Vladimir.
– Olhei para os lados, não vi ninguém, só o bico do avião e a brisa do mar. Sai caminhando…
– Vladimir, conta logo que você estava numa ilha.
– Como você sabe?
– Ora, o avião caiu no mar e de repente você está caminhando.
– Ah sim, tem lógica.
– Claro, não se esqueça que o escritor aqui sou eu.
– Verdade…Bom, mas a ilha era pequena, tinha muita areia e duas ou três palmeiras. Resolvi escrever SOS com os pés, mas quando estava na letra O, uma figura chamou minha atenção…era uma mulher…estava um pouco distante, pensei que fosse uma sereia ou algo assim…mas não, era ela.
– Ela quem, criatura? Não me mate de curiosidade.
– A Sandy.
– A Sandy Junior?
– Ela mesma. Percebe que o sonho catastrófico se transformou num sonho delicioso?
– Caramba, você sempre gostou dela.
– E você sempre disse que ela tem cara de cu doce.
– Melhorou bastante depois dos trinta.
– Ela me chamou com o dedinho indicador.
– Você foi?
– Num estalo.
– E daí, o que você disse?
– Quando cheguei perto, perdi a voz, fiquei sem assunto.
– E ela?
– Disse ooooiiiiii, bem assim, longo, fazendo biquinho.
– E você?
– Respondi oi e fiquei mudo, sem assunto. Ele perguntou meu nome, respondi com firmeza: meu nome é Vladimir de La Mancha.
– Ah, nossa que novidade. E daí, o quê aconteceu.?
– Ela perguntou se eu vinha sempre ali.
– Uai, ela não estava no avião?
– Estava, mas deve ter batido a cabeça, coitadinha.
– E ela estava vestida?
– Sim, um lindo vestido azul turquesa, todo rasgado, deixando mostrar algumas partes divinas. Ah, meu Deus, Sandy tem uma bunda espetacular.
– Começou a esquentar. Mas e daí, o que você disse para ela?
– Fiquei nervoso, não conseguia pensar em nada. Ela me olhava de um jeito estranho, umas chispas de luz intensa escapava dos seus olhos imensos. Pensei falar alguma coisa de amor, um verso do Bandeira, algo assim…Mas dai surgiu a estupidez.
– Cara, o que você disse para a moça?
– Foi algo que surgiu de repente, sem muito pensar, eu disse…ah, deixa pra lá.
– Não senhor, agora você vai ter que contar.
– Eu disse…Vamos pular, vamos pular, vamos pular, vamos pular!
– Mentira? E o que ela respondeu?
– Nada, grudou nas minhas mãos e começamos a pular fazendo da areia uma espécie de colchão de molas.
– Nossa Vladimir, que cena linda.
– E a coisa foi esquentando, a cada pulo, mais ela se despia. “me chame de devassa”, ela pediu e eu entendi falei; sua devassa linda! Os cabelos, atiçados pelo vento, se espalhavam pela minha cara, trazendo o perfume, o cheiro do batom… Quando vi, estávamos rolando pela areia, que logo se transformou num imenso gramado. Um beijo, dois beijos, cinco, seiscentos. Dai ela sussurrou no meu ouvido: “você leu minha reportagem para a Playboy?.
– Ah não, Vladimir do céu, não vai me dizer que você…
– Ia acontecer, já tinha ajeitado tudo, mas você sabe como as coisas mudam nos sonhos, logo comecei a sentir uma coceira terrível, grama sempre me provoca coceira e a Sandy foi se transformando noutra pessoa até virar o Mick Jagger.
– Não, mentira!
– Quer que eu conte o resto?
– Melhor não…Garçom, trás a conta.
– Ué, não vai pedir a saideira?
– Não, vou embora, tenho certeza que você não ficará calado, vai contar o resto da história e eu não quero ouvir.
– Mas mano, eu resisti bravamente…
– Resistiu?
– Até a parte que ele cantou nos meus ouvidos Satisfaction, daí, bem, eu…
– Tchau Vladimir, até outro dia, passar bem.