O JOVEM MENDIGO

No bairro Nova Bandeirantes, perto do supermercado que costumo freqüentar, de dentro do carro acompanho um jovem maltrapilho que caminha pela calçada. Ele usa sempre a mesma camisa de algodão, comprida e rota, puída nas pontas e da costura rasgada no bolso, que desprende aos poucos, como se fosse o desenho da vida daquele rapaz, aos poucos desabando sem que ele se dê conta. Seu rosto reflete uma espécie de indagação, como se não acreditasse no destino que os caminhos da vida lhe conduziram. É jovem, no máximo vinte e cinco anos. Tão jovem e tão acabado, se esgueirando pelos beirais das casas, arrastando o sapato marrom da sola furada, que ele faz questão de usar, com se fosse a última obrigação que ainda o mantêm humano.  Seu rosto sereno, conformado, de repente se transforma na escultura fiel de um parente distante que esqueci o nome, provocando meu descompasso.  As gotas da chuva miúda atingem seus cabelos e caem pela testa grande e ele sorri levemente. Prossigo observando o seu caminhar até a entrada do grande supermercado. Ele toma o café gratuito enquanto faço minhas compras. Na saída, o encontro fortuito, do rosto sofrido me lança um sorriso de velho conhecido que retribuo num aceno de cabeça e saio para o meu mundo. No outro dia, a cena se repetirá, eu sei. O dia prossegue apressado, dirijo meu carro pelo Parque dos Poderes, tenho pressa, compromissos inadiáveis e me enfezo quando uma grande fileira de carros à frente pára de repente. Só me acalmo quando percebo o motivo: uma família de quatis atravessa a larga avenida. Conto mentalmente a quantidade de bichos, considero que passaram pelo menos oito filhotes e mais dois maiores, certamente o pai e a mãe, formando uma bela família de quatis. Um motoqueiro pára ao meu lado e sorri dizendo uma maldade em forma de graça: “está faltando onça por aqui!”.  Toco os dedos no volante tentando com isso apressar os quatis, que não se incomodam com a minha pressa. E a imagem do jovem mendigo volta a povoar minha mente. Onde estariam os familiares daquele cidadão, que mal teria ele praticado para merecer o total isolamento?  Drogas, doença mental? Nada que justifique, penso, enquanto meus pensamentos me conduzem à frente da calçada que ele fez de morada; um colchão imundo jogado abaixo de uma árvore, encostado no muro de uma residência, que tenho certeza que não é mais aconchegante que a mata para a qual se dirige a família de quatis. Só de imaginar o tormento que ele enfrenta na madrugada vazia, o medo que preenche a escuridão com uivos de lobos e fantasmas, me provoca desassossego. E o frio do inverno se aproxima… Há mais humanidade entre os animais que entre alguns humanos. Os bichos somem na mata. Acelero o carro ao mesmo tempo em que caminho pelo vale das sombras, incomodado quando surge a imagem do jovem mendigo na minha cabeça, que balança, apoiada na abstração da alma e no medo que causa o imperativo dos homens. 

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