Em frente da minha casa existe um muro enorme, todo branco.
O mundo está cercado de muros.
No facebook, uma postagem me chama a atenção: é um muro virtual e a brincadeira é pichá-lo com qualquer frase que vier à cabeça.
Eu não quero pichar o mundo virtual, quero um muro de verdade, igual a este que dá de frente para a minha casa.
Pelas ruas e avenidas, vou trombando nos muros espalhados pelos quarteirões, repletos de frases tolas, xingamentos e erros de português.
De repente vejo um prédio inteiro marcado por riscos sem sentidos e me calo.
Fui tentar entender e não me faltaram explicações: é grafite, é tribal, coisas que não entendo. As explicações prosseguem: grafite é arte, pichar é vandalismo.
Continuo sem entender.
O que sei é que desde os primórdios dos tempos, usamos a escrita como forma de expressão.
Os homens das cavernas deixaram marcados nas rochas diversos sinais.
Talvez isso explique a vontade que sinto de riscar todos os muros, sem me importar com o movimento intenso da rua.
Comprei uma tinta, atravessei a rua chacoalhando a lata e assim prossegui até chegar em casa.
Coloquei o dedo no gatilho do spray de tinta vermelha, fiquei respirando coragem e na mente desenhando a primeira frase para pichar, frase que carrego de lema, aquela do Lô Borges, do clube da esquina, da linda canção: “os sonhos não envelhecem”, que na pressa ficaria torta e deixaria sem assinar, já que não é minha e é de todos.
Depois arriscaria uma frase que criei e que gosto: a lagarta nunca pensou em voar, mas daí lhe nasceram as asas…
Ou outra, completamente tola, que me ocorreu depois que assisti a um documentário e fiquei convencido que o panda é um bicho cativante, mas que vive distante daqui e então não devia merecer tamanha comoção da nossa gente, já que aqui perto nossos bichos agonizam.
Assim pensando, as letras da pichação se formaram num estalo: esqueçam os pandas, salvem as jaguatiricas!
No muro do cemitério, escreveria outra frase que gosto: “A longo prazo estaremos todos mortos”, do economista John Keynes, que trago comigo desde os tempos da faculdade.
Frases de túmulos ganhariam os muros.
No de Salvador Allende, está consagrado, de autoria desconhecida: “alguns anos de sombras não nos tornarão cegos.”
E já que me apeguei aos sonhos, picharia também uma do Charles Chaplin: “Nunca abandone os seus sonhos, porque se um dia eles se forem, você continuará vivendo, mas terá deixado de existir”.
Claro que eu poderia escrever essas frases num livro, num caderno ou na folha amassada do pão da manhã, mas o muro me cativa porque está ao alcance das vistas de todos e quero gritar para o mundo as frases que gosto.
Ainda labuto em decifrar a diferença entre pichador e grafiteiro, só sei que ambas representam a ânsia humana de se expressar.
No meu caso, as frases são tantas, que temo me faltar muros.
As linhas vão se acabando e ainda tenho tanto a escrever.
“É preciso muito tempo para se tornar jovem”, de Picasso, “Há um certo prazer na loucura que só um louco conhece”, de Neruda, “Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho” que grafou Mário Quintana, e tantas outras que poderia passar o dia todo as escrevendo.
Encerro com Nietzsche: “Isto é um sonho, bem sei, mas quero continuar a sonhar”, serve para exemplificar o que sinto neste momento, aqui na minha sala, escrevendo no computador o que gostaria de jogar nos muros lá fora, a custos me mantendo calmo, um olho na tela, outro para o lado oposto da rua, que lá tem aquele muro enorme, branco e virgem, clamando por frases.
Não sei quanto tempo resistirei até puxar o gatilho do spray.