CORPOS NUS

Sonia mora no apartamento 17 do terceiro andar.

Valdir também mora no terceiro andar, no apartamento 26.

Nunca se viram.

Sônia tem o corpo bonito, mas o rosto é de velha. É timida, avessa a amizades, só namorou uma vez.

Valdir faz fisiculturismo desde muito moço, tem o corpo bonito, mas a testa é larga e tem poucos cabelos. Não se dá bem com mulheres, é desajeitado, já quebrou a costela de uma dama numa dança.

Os dois já passaram dos quarenta.

Sônia dorme nua, com o rosto escondido embaixo do travesseiro, apenas os olhos escapam em busca do reflexo do corpo de Afrodite refletido no espelho.

Valdir também dorme nu, costume que carrega desde pequeno, porque roupa lhe incomoda e causa suor.

Na noite que o edifício pegou fogo, se encontraram pela primeira vez, nus na calçada, os olhos que não despregavam um do outro, indiferentes ao tumulto, aos gritos de desesperos e ao atropelo da rua. 

Nus.

E o fogo da paixão avassaladora se apresentou, despido de qualquer tipo de pudor.

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