Descobri recentemente, mais precisamente no sábado passado, que sou um velho adolescente.
Isso porque me peguei grudado a tarde toda num livro da Thalita Rebouças.
A visão da escritora me fez voar, imaginar situações, me perder em dilemas, num passeio raso d’água nos olhos, encarar alguns medos eternos, até sentir novamente as transformações.
Thalita escreve para mulheres de um modo tão próximo e profundo, que conseguiu, por momentos, me transformar num velho adolescente menina.
Foi um despertar, pouco antes, na minha retina cansada, guardava a adolescência como se fosse a estátua de Antínoo, dura, fria, calada, mas eternamente jovem.
No livro, logo me identifiquei com a personagem, uma garota sem dotes de beleza, um tanto desleixada, dona dos cabelos ruins e peso acima do ideal.
Outras semelhanças apareceram durante a narrativa: a menina ouve música para sentir vontade de chorar.
Fiz isso recentemente, sem motivos aparentes, lágrima libertária, não de agonia, envolta numa música antiga e besta, de um cantor que eu desprezava quando adolescente, o Biafra, naquela parte que ele afirma existir um licor a mais no bombom.
Homem não chora! Uma ova, chora sim, mesmo na maturidade.
Trago ainda guardado alguns costumes de quando adolescente; usar roupa velha e rasgada em casa e desligar o mundo, ler, ouvir música, assistir séries de TV; visitar fotos antigas e me espantar: nossa, quando foi isso? Eu era magro em 87.
Creio, com sinceridade, envelheci bem, eu era muito feio na adolescência, e fazia bullying comigo, me olhava no espelho e dizia, “tu é horrível, desajeitado, seu cabelo ruim lembra nuvens de tempestades”, e depois ria da própria desfaçatez.
Hoje me acho bonito, mesmo quase sem cabelos – algo libertador, no meu caso – e com essa barba rala que não tem nada a ver com rebeldia, é coisa de vaidade mesmo.
Se existe algo bastante mudado é a minha capacidade atual de me amar, de olhar para o espelho e afirmar: cara, você está lindo!
Narciso me incorpora todas as manhãs.
Ser adolescente é dolorido para todos, mas, para as meninas, Thalita me ensinou que o baque é maior; a transformação para mulher requer o apego o quanto antes à maturidade; a menstruação é um sinal assustador, noves fora o crescimento dos seios, do quadril, e os olhares ameaçadores que começam a surgir em volta, de repente, sem avisar.
Thalita Rebouças é doutora no assunto.
Declaro, no entanto, o sofrimento do eu menino daquela época.
De repente, espalharam-se em mim as espinhas, a espantosa percepção das curvas do avesso, das medidas, de cada detalhe: a menina franzina e irritante, moradora da vizinhança, de repente se tornou uma encantadora fêmea fatal, me fazendo suspirar profundamente.
Será que ela ainda se lembra de mim?
Era um tempo de solidão, de descobrir detalhes nunca antes imaginados; a luz da lâmpada atraia os insetos, medrava a escuridão, mas nada afastava alguns pensamentos.
Fui salvo pela erudição: muito mais do que banho gelado, a leitura acalmava a febre.
Quase adulto, imaginava a maturidade tal e qual a quinta sinfonia de Beethoven, a reta final, da qual queria distância.
No entanto, cá estou.
Acho que Biafra me fez chorar por causa disso: o licor ainda vivo, perdido em meio ao bombom.
Imagino Beethoven, mas escuto Biafra.
“O que sai de mim vem do prazer, de querer sentir o que eu não posso ter…”, o que ele quis dizer com isso?
As folhas da árvore da minha adolescência ainda tremem, esparramam o orvalho no soprar do vento, pingos daquela mesma chuva que me arrancou o sono, restando em mim o pensamento incerto: será que existe por ai outro adolescente velho, quieto e atento, tal e qual a estátua de Antínoo, ouvindo, entrelaçado por pequenos tremores, a sinfonia de Beethoven?
Fechei a última página, já sentindo saudades da menina do livro e à procura do resto de licor perdido dentro do bombom.