Daquilo que sou incapaz de fazer

No final de um espetáculo de dança, um jovem com cara de índio se aproximou do proscênio, abriu os braços e, pouco depois de lançar um enorme sorriso, jogou-se ao ar numa espetacular cambalhota, caindo em pé, firme, ereto, trazendo ao solo o mesmo sorriso de antes estampado na cara de índio. Fiquei completamente fascinado, continuei aplaudindo mesmo depois que todos se calaram, numa cena que costumo protagonizar sempre que me perco diante de coisas que me causam deslumbramento. Se antes já estava encantado com a dança – que nunca fui capaz de acertar os passos em qualquer nota musical – aquela volta do corpo no ar, diante dos meus olhos, obviamente se tornou um feito completamente espetacular. Sempre fico hipnotizado diante da feitura de atos que tenho absoluta certeza que sou incapaz de realizar. Dançar, dar cambalhotas, entre tantas outras. Mágica é outra arte que me fascina, mas que nunca sequer tentei desenvolver, já sabendo que na minha falta de jeito mataria o coelho, amassado por um murro certeiro na cartola, diante dos olhos incrédulos da platéia. Dos meus sonhos riscados por incapacidade, trago marcado o enterro do músico que desde criança pretendia ser. A frustração é uma constatação dolorosa. O fato é que nunca consegui tocar um instrumento musical, embora as várias vãs tentativas, sempre arrastadas por desculpas que criei na tentativa de convencer a mim mesmo que os obstáculos eram intransponíveis; porque a corda do violão feria meus dedos, os teclados do piano embaçavam as minhas vistas, que meus pulmões se mostravam cansados no sopro na trombeta e as baquetas me escapavam das mãos a cada rufar nos tambores. Então, admiro tantos os músicos, que os tenho como senhores advindos de um lugar encantado em meio à montanha, verdadeiras entidades que escaparam de um poço escondido naquela selva de encantamento e para cá vieram, habitar entre nós outros, pobre gente insensível, que não sabe criar os encantos da melodia. Carrego os olhos com sentimento semelhante ao encarar os poetas: escrevo crônicas, arrisco na prosa, sou um contador de histórias, mas não sei compor versos, embora num passado distante tenha tentado transpor ao papel os enlevados sentimentos que me afloravam à pele, especialmente quando me via sozinho e “o silêncio se tornava ensurdecedor”, fazendo com que as palavras ganhassem vida. Mas acabei me perdendo, e na ânsia louca, tentei rimar amor com calor, coração com paixão, concebi versos toscos que se perderam e que se transformaram em risos debochados que eu mesmo me dei, na indisfarçável auto crítica que sempre me faço.
E agora um universo de coisas que sou incapaz de fazer desfila na minha mente. Eu não consigo fazer malabarismos, cantar sem desafinar, subir em árvore, brincar de bambolê.
E como está em moda nas redes sociais, me declaro de humanas, que fico mesmo fascinado quando de frente com aqueles seres estranhos que sabem fazer contas, que dominam a matemática sem fazer esforços, sem coçar a cabeça e se perder em desencantos, porque somar, multiplicar e dividir, ah, isso eu também não sei fazer, não.

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