NO SINAL FECHADO

No cruzamento da avenida, o enorme painel marcava 35 graus.

Dava para ver a bruma de calor que subia entre os vãos do asfalto.

De repente o sinal fechou e um motoqueiro parou ao meu lado.

Trazia na garupa uma moça magra.  Danaram a falar tão alto que dava para ouvir de dentro do carro.

Quanto tempo dura um sinal fechado?

Firmei o rosto para frente e encarnei Simeão Estilita, aquele santo que viveu meditando, imóvel e calado, no cimo de uma coluna de pedra. Mas meus ouvidos permaneceram atentos. Nunca gostei de ouvir conversas alheias, mas não tive escolhas, era como se o casal estivesse sentado no banco traseiro do meu carro.

Discutiam a relação.  Sinal fechado lá é lugar de discutir a relação?

Tenho a habilidade nata da visão lateral, consigo enxergar as coisas do meu lado como se estivessem de frente. Pude perceber que a moça tinha os olhos amendoados e os cabelos finos, ligeiramente castanhos, que escapavam na testa e desfilavam no sopro do vento.

Dele só percebi a gota de suor escorrendo pela testa ampla.

A moça reclamava de traição, enquanto ele retrucava a chamando de ciumenta.

Num dado instante, ela ameaçou descer da moto.

Conteve-se, ergueu a cintura, ajustou o corpo para trás e mordeu o dedinho róseo; meio brejeira, um tanto encabulada.

Depois prendeu as pernas perto do escapamento e se segurou no banco da moto. Os braços finos e frágeis ganharam um estranho vigor.

O vento bateu mais forte e ela soprou com raiva a mecha de cabelo do canto da boca. Manteve o corpo ligeiramente jogado para trás, não queria mais abraçar o companheiro.

E nada do sinal abrir.

Retomaram a discussão no exato instante que uma chuva repentina caiu de fininho, e eu, que nunca rezo, rezei para chuva aumentar, no desejo de mais nada ouvir que não fosse o barulho da chuva.  Para meu desalento, era nuvem passageira e logo a discussão retornou.

Um malabarista passou perto deles jogando ao ar sete bolas coloridas e tentei prestar atenção apenas no malabarista, mas o motoqueiro estava tão enfezado, que gritou um impropério, fazendo o malabarista perder a concentração.

As bolas se esparramaram pelo asfalto.

“Ciumenta!” gritou o motoqueiro enfezado em meio a gestos descompassados. Depois respirou fundo, afrouxou os ombros e num ato repentino, acelerou a moto sem sair do lugar.

O semáforo prosseguia fechado.

Os olhos crispados da moça ganharam um vermelho de cólera.

A luz do sol brilhou, mostrando parte do rosto do rapaz zangado, que coçava a barba rala enquanto mantinha o pé apoiado no asfalto, novamente acelerando a moto sem sair do lugar.

Dela só se ouvia o leve murmúrio, salgado feito a lágrima que ela se esforçava reter, perdida na imaginação de atitudes e decisões que não poderia adiar.

Então olharam para mim, os dois, ao mesmo tempo.

Congelei por instantes.

O sinal finalmente abriu.

Apertei o acelerador permitindo que um som imaginário, bem próximo da quinta sinfonia de Beethoven, me invadisse como se fosse a trilha sonora de um filme de suspense.

Sina de escritor: O sinal verde foi a deixa para que na minha cabeça personagens começassem a caminhar: a moça ciumenta, o jovem enfezado que acelera a moto sem sair do lugar, fazendo marcas no asfalto, ligeiramente molhado por águas de uma chuvinha passageira, espalhando no ar luzes coloridas, que formaram um pequeno arco-íris.

Virei na outra esquina, o casal seguiu em frente.

Restou no retrovisor traseiro do meu carro a imagem do pequeno arco-íris subindo ao céu,  formando um mosaico de cores tão fantasticamente belo que nem toda a ira do mundo foi capaz de apagar.

Depois prendeu as pernas perto do escapamento e se segurou no banco da moto. Os braços finos e frágeis ganharam um estranho vigor.

O vento bateu mais forte e ela soprou com raiva a mecha de cabelo do canto da boca. Manteve o corpo ligeiramente jogado para trás, não queria mais abraçar o companheiro.

E nada do sinal abrir.

Retomaram a discussão no exato instante que uma chuva repentina caiu de fininho, e eu, que nunca rezo, rezei para chuva aumentar, no desejo de mais nada ouvir que não fosse o barulho da chuva.  Para meu desalento, era nuvem passageira e logo a discussão retornou.

Um malabarista passou perto deles jogando ao ar sete bolas coloridas e tentei prestar atenção apenas no malabarista, mas o motoqueiro estava tão enfezado, que gritou um impropério, fazendo o malabarista perder a concentração.

As bolas se esparramaram pelo asfalto.

“Ciumenta!” gritou o motoqueiro enfezado em meio a gestos descompassados. Depois respirou fundo, afrouxou os ombros e num ato repentino, acelerou a moto sem sair do lugar.

O semáforo prosseguia fechado.

Os olhos crispados da moça ganharam um vermelho de cólera.

A luz do sol brilhou, mostrando parte do rosto do rapaz zangado, que coçava a barba rala enquanto mantinha o pé apoiado no asfalto, novamente acelerando a moto sem sair do lugar.

Dela só se ouvia o leve murmúrio, salgado feito a lágrima que ela se esforçava reter, perdida na imaginação de atitudes e decisões que não poderia adiar.

Então olharam para mim, os dois, ao mesmo tempo.

Congelei por instantes.

O sinal finalmente abriu.

Apertei o acelerador permitindo que um som imaginário, bem próximo da quinta sinfonia de Beethoven, me invadisse como se fosse a trilha sonora de um filme de suspense.

Sina de escritor: O sinal verde foi a deixa para que na minha cabeça personagens começassem a caminhar: a moça ciumenta, o jovem enfezado que acelera a moto sem sair do lugar, fazendo marcas no asfalto, ligeiramente molhado por águas de uma chuvinha passageira, espalhando no ar luzes coloridas, que formaram um pequeno arco-íris.

Virei na outra esquina, o casal seguiu em frente.

Restou no retrovisor traseiro do meu carro a imagem do pequeno arco-íris subindo ao céu, formando um mosaico de cores tão fantasticamente belo que nem toda a ira do mundo foi capaz de apagar. 

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