O lado oculto da lua

Ontem, ao cair da tarde, percebi que a lua sorria no céu.


Lua não combina com o dia, é amiga da noite, fica estranha quando aparece durante o dia.

Diante da surpresa ao contemplar a inesperada aparição da lua naquele horário, várias luas surgiram no meu pensamento.

Nunca usei drogas, mas adoro olhar o universo em noites de lua cheia e com ela me entorpecer.

A lua é a minha cocaína.

Certa vez, um velho índio me contou que Tupã criou Jaci para iluminar a escuridão enquanto Guaraci dormia, mas não contava fazer algo tão belo, de um tanto que acabou ele mesmo se apaixonando pela própria criação.

Acontece, porém, que Jaci se deixou fascinar pelos encantos de Guaraci.

Com medo de causar ira a Tupã, refugiou-se na noite e de lá só sai em dia como o de ontem, num passeio de lua nova, efêmero e na forma de um belo sorriso, tão cativante que a todos causa encantos.

Em mim, provoca o irresistível desejo de uivar.

Penso isso e um riso interior me invade, um riso pra dentro, daqueles que só nós entendemos, ao lembrar que quando era novo, costumava uivar para a lua.

Fazia isso quando a festa acabava e as luzes da rua aos poucos se confundiam com o raiar de um novo dia, mas ela ainda estava lá, pairando acima das nossas cabeças juvenis e então eu uivava, nem sei o porquê, talvez para divertir os amigos, porque uivar para a lua era a única coisa que um jovem estranho como eu poderia ousar fazer antes de dormir ou então, simplesmente, era o começo da loucura.

E agora lá estava ela, sorrindo para a terra, do lado direito, aos poucos se aproximando do sol.

Num instante lúdico, imaginei Jaci flertando novamente com Guaraci, e tive pena de Tupã.

É que além de fases, a lua tem seu lado oculto.

E é exatamente esse lado oculto, repleto de segredos, que me atrai.

Adoro desvendar mistérios.

Já mostraram o lado oculto da lua em fotos, mas não acredito naquelas fotos, prefiro a fantasia de um lugar inóspito, inexplorado e repleto de segredos.

O que será que existe por lá?

Gente, deuses, quem sabe um jardim secreto, de cujas árvores despenquem frutos proibidos.

Que tolice a minha, imaginar um jardim secreto num lugar que não bate o sol.

De certo não há crateras no lado oculto da lua, há vazios, mares desertos e coisas que nem sabemos o nome, porque estão acima do nosso poder de compreensão.

Encarei novamente a lua e o vento soprou forte e frio, como se fosse um lamento, enquanto ela prosseguia em busca do sol, se encaixando aos poucos entre duas nuvens que caiam na serenidade do horizonte.

Jaci, Guaraci, pobre Tupã.

Compreendi afinal que somente diante daquele lunar sorriso que consigo ouvir o sopro do vento, que logo se transforma numa canção antiga, tão antiga que nem me lembrava mais, mas que agora me invade, sugerindo frases e mais frases, que vou juntando até formar algumas estrofes, que não rimam, mas se abraçam.

E de novo sinto vontade de soltar um uivo, tresloucado e oblíquo, grito de um lobo insano, que tenta em vão buscar o lado oculto da lua.

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