O leitor que me acompanhar nessa crônica, certamente me tomará como uma espécie de Ebenezer Scrooge, o imortal personagem de Charles Dickens, que não conseguia incorporar o espírito natalino.
Acontece, porém, – e sei que estou sendo repetitivo – que a sinceridade me abraça quando digo que considero o natal uma festa chatíssima.
Acesso o youtube e escuto “O pulso” da banda Titãs.
Adoro essa música!
Que fim levaram os antigos cartões de natal? Antigamente eu passava horas escolhendo cartões que depois enviava para os amigos, como ainda hoje faz meu amigo Manolo, que dos EUA, todos os anos me envia cartões de natal: nunca consegui lhe enviar de volta sequer um reles cartão, e fico naquela de apenas agradecer, numa mensagem seca de muito obrigado, via whatsapp.
Nesses momentos, Mister Scrooge sentiria orgulho de mim.
Mas porque será que chove tanto em dezembro?
Eu detesto chuva.
Visito em pensamentos antigos natais, revejo os amigos e a canção que gostávamos de cantar longe dos adultos: Jingle bels, jingle bels, acabou o papel…
Ainda navega em mim a lembrança do pé de goiaba no quintal de casa, que enfeitamos com bolas de isopor, mas à noite veio a chuva de dezembro, forte e rápida, levou tudo embora e daquilo só guardei melancolia.
É no natal que esse sentimento aflora, assim que me vejo diante da figura nórdica do papai Noel: “ho, ho, ho” diz o senhor fantasiado de barba e roupão vermelho, sem se importar com a minha indiferença.
Talvez não passe de trauma de infância, porque nunca tivemos casa com chaminé e enquanto o filho da vizinha ganhava uma bicicleta, eu me contentava com um carrinho de plástico sem as rodas.
Ok, Mister Scrooge, eu também não gosto de vinho, peru tem a carne sem graça e castanhas me provocam engasgos.
Mas o pulso pulsa.
Arroz com uva passa? Não, passo, prefiro farofa.
Bebe-se muito no natal, penso, enquanto tomo mais um gole de cerveja.
Não devia fazer isso, um copo a mais é um neurônio a menos.
O pulso ainda pulsa.
Quando o fecho da noite de natal se aproxima, o único pensamento que me ocorre é que preciso urgentemente fumar um cigarro.
Eu não posso fazer isso.
Uma tragada a mais é um dia a menos de vida.
O pulso segue pulsando.
Alguém, por favor, me sirva um pedaço de panetone!
Eu sei que já disse diversas vezes que detesto panetone, mas talvez combine com o vinho, que agora está tão doce…
A noite termina e resta uma tênue luz que escapa de uma árvore de natal.
O pulso haverá de pulsar na manhã seguinte.
Suma daqui, Mister Scrooge!
É hora de preparar os festejos da virada de ano, que este que está acabando foi péssimo, levou David Bowie, Prince, Ferreira Gullar, Geneton Moraes Neto, um time inteiro de futebol.
No fim de tudo, fica em mim o inquietante sentimento que o natal é melancólico e é preciso permitir que o vento de coisas boas e novas assopre em meu rosto a brisa da fé e esperança, que o ano que vai começar seja muito melhor para todos e que o pulso prossiga pulsando por outros tantos natais.