Cabeça de boi

Cair da tarde de um dia frio.
Olhando de cima, entre as telhas de barro do Cabreúva, a cidade vai perdendo a cor, invadida aos poucos pela escuridão da noite.
Fins de dias de outono me causam uma batida rápida de melancolia.Esfrego os olhos e sigo andando.
Um bando de meninos fuma maconha, nem liga para o meu passar ligeiro.
Pedaços de trilhos da antiga estrada de ferro brotam do chão, somem depois, invadidos pelo progresso.
Sinto cheiro do passado sempre que ando pela Orla. Naqueles trilhos sepultados pela grama, percorre uma parte de mim que insisto desconhecer. Meu avô morreu logo ali na frente, morte estranha, atropelado pela litorina, num dia de carnaval e chuva.
Pouco conheci o meu pai, que direi do meu avô, que dele só sei essa história?
Dos fundos do Colégio Estadual um casal se aproxima de mim, que paro com um sorriso armado no rosto, contente pelo breve descanso.
Os dois chegam bem perto, os olhos tão azuis que cegam.
A moça fala um francês ligeiro e eu balanço a cabeça. Inglês até arranho, mas nada compreendo do idioma de Sartre. Não é lindo falar fazendo biquinho? Como esse povo consegue ser tão bonito?
O rapaz arrisca num portunhol frases desconexas, “cabeça de boi”, foi a única que compreendi.
Eu sou nascido e criado em Campo Grande, claro que sei onde fica a cabeça de boi.
Peço que me sigam, é ali perto, tento me fazer compreender com sinais e falando um português nasalado, um estranho sotaque que inventei na hora, nem sei ao certo o porquê, talvez tentando misturar francês com castelhano.
Nunca senti tanta vontade de saber falar francês.
Eu queria contar ao casal de turista que exatamente ali, onde hoje está erguido o monumento em ferro de uma cabeça de boi, nos primórdios dos tempos da minha cidade, antes mesmo das construções dos quartéis, era um matadouro de encontro das boiadas que vinham das fazendas.
Para marcar o lugar, entre as bicas d’água e trilheiros da mata, alguém teve a idéia de erguer uma cabeça de boi na ponta de uma árvore gigantesca, que dava para ser vista de longe, que do resto a poeira da boiada ajudava, não tinha como errar.
O lugar exala história, faz meus olhos atravessar o tempo, enxergar os homens de chapéu de abas largas apeando dos cavalos, a camisa surrada, as calças revestidas por cinturão de couro, o grito da boiada, o cheiro misturado de bosta de vaca com grama molhada e o longo som do berrante.
Os franceses não entendem o estranho brilho que escapa do meu rosto.
Na despedida, apenas um aceno.
Tive vontade de falar o nome de uma canção francesa que sei pronunciar sem erros, “Ne me quitte pass”, só pra impressionar, mas não tive coragem, com medo que a tradução, que desconheço, fosse deselegante ou algo assim.
A noite caí de vez enquanto corto caminho pelas casas de militares, absorto entre os católicos que caminham rumo à catedral do Perpétuo Socorro, lugar sagrado no qual oram todas as quartas-feiras.
Na cabeça outra canção francesa ganha vida, sigo cantando baixinho
“j´avais dessiné, sur Le sable, son doux visage, qui me souriait…”

Morro de medo da morte

A moça à minha frente na fila do cinema carrega nas costas uma enorme tatuagem de águia.

Coisa bonita de se ver, as asas abertas num tom que escapa do branco até o negro, adornada por ligeiros realces cinza, os olhos vermelhos, o enorme bico dourado, resultando num excelente trabalho artístico.

De repente, um estranho vento frio soprou no meu rosto, como se fosse um aviso, uma espécie de lembrete, que aquela imagem tentava me lembrar alguma coisa, mas que na hora não consegui identificar.

Eu já quis fazer tatuagem, mas foi maior o medo da dor, o risco de ficar feio e não poder apagar.

Detesto sentir medo, mas sinto.

Tenho medo de dentista, de cachorro brabo, da solidão, de ratos, de raios, da enxurrada da chuva que pode me arrastar, medos pequenos se comparados ao medo de morrer, que é o maior de todos os medos.

Minha mãe tinha um sono letárgico, o mesmo que eu tenho agora, ligeiro, mas pesado.

Quando criança, eu passava longos minutos observando ela dormir, com medo que parasse de respirar.

Dizem que choramos ao nascer porque naquele exato instante nos damos conta da existência, e sentimos pela primeira vez o gosto do ar, que provoca dor nos pulmões.

Então, apavorados, percebemos o mundo vivo em volta e o primeiro pensamento que nos ocorre é que um dia aquele suspiro terá fim.

Num dia de frio tardio de setembro, um senhor, sempre muito calado e inacessível, que vivia perambulando pelas ruas do Guanandi, apareceu morto, deitado na calçada, ao lado de uma garrafa de cachaça; os olhos abertos, mas sem vida, um sorriso estranho no rosto, como se no último instante, quando a vida lhe escapava, os raros bons momentos pelas quais passou durante a vida errante, desfilassem diante dele.

Foi o primeiro morto que vi.

Meu cachorro Ringo morreu logo depois.

Jogamos seu corpo sem vida num trilheiro de mata perto de casa e eu ia lá todos os dias para ver se algum milagre acontecia, na esperança de criança que ele de repente voltasse a viver, vez que dentro da minha cabeça, permanecia vivo o eco dos seus latidos, já me acostumando com o cheiro da carniça e nem ligando para a decomposição do corpo magro, que antes era cheio de vida e que todos os dias latia de felicidades só de me ver.

E ao lembrar disso, recordei que a imagem que me lembrava a tatuagem nas costas da garota na fila do cinema, vinha de um pássaro que devorava a carcaça do meu cachorro.

Não era uma águia como na tatuagem da moça, talvez um carcará ou algo assim, mas a sua figura majestosa, das garras afiadas que escorregavam na carne podre do meu cachorro morto e o som que escapava de seu bico afiado, ficaram guardadas num canto da minha memória para nunca mais sair, tal e qual a Beatriz de Dante, linda e majestosa, mas apavorantemente medonha.

Mais de quarenta anos tem essa imagem.

A moça da tatuagem sumiu pela larga porta de entrada do cinema, levando consigo aquela imagem que deixou em mim um cheiro de fim, de morte, de coisas ruins, que logo tratei de abortar, permitindo em troca me deixar invadir por um avassalador sentimento de morrer de vontade de viver.

Sim, passarão

Sozinho na manhã de domingo, contemplando a janela na qual uma lagartixa devora um bicho de asas, me peguei imaginando se eu pudesse encontrar comigo quando tinha dezessete anos.

Que bom seria, “volver a los diecisiete”, como na música de Violeta Parra, um efebo novamente.

Sabendo o tanto que fui (e ainda sou) turrão, não daria conselhos, não falaria dos perigos das esquinas, que de alguma forma, deles todos escapei, não alertaria sobre doenças, que naquele tempo o açúcar e o sal me causavam prazer, deixaria que se cumprisse o que se passou.

Só queria lhe contar que pela nossa vida passarão coisas belas, misturadas aos imbecis, formando um carrossel de pedras brutas que se precisa lapidar.

A turba insana fará suas vitimas, pregarão calúnias, espalharão inverdades, sem se preocupar que num dia breve lá na frente, “os escafandristas virão explorar suas casas”.

Ah, eu queria tanto te contar coisas que sei que você não vai acreditar: o presidente dos EUA é negro e foi a Cuba – um lugar que muitos ultimamente têm te mandado ir morar – pois o homem foi lá e fumou o cachimbo da paz e na outra semana dançou tango em Buenos Aires.

Woody Allen prossegue genial e Michel Jackson morreu, ele e muitos outros que você gosta.

Sabe aquela frase de Sócrates: “só sei que nada sei”? Pois a humanidade continua pensando que sabe tudo, e quando se dão de frente com o contraditório esmurram o ar, numa cólera insana.

Sua intolerância em alguns assuntos aumentou, ainda assim, preciso lhe contar que você será um cinquentão que nunca guardou mágoas, nem permitiu que as lembranças fossem mais fortes que seus sonhos; continua vestindo calça jeans, camisa de número maior e, aos domingos, sandálias, óculos escuros e boné, porque quando abriu a janela e nada acontecia lá fora, pisou descalço a grama molhada do orvalho e fez, não ficou esperando acontecer.

E errou um bocado, confiou em quem não devia, desmereceu valiosos conselhos, tomou caminhos tortos.

Mas sossegue, você terá uma esposa companheira e dois filhos lindos, de cujos sorrisos lhe farão um sujeito feliz.

Não sei por quanto tempo ainda estaremos por aqui, espero que mais trinta e oito anos, que sempre achei oitenta e oito um belo número final.

Que pena que você não conseguiu decorar nenhum verso do Neruda, mas guardou aquela frase dolorida da Florbela Espanca: “longe de ti são ermos os caminhos”.

É meu amigo, todo amor é frágil e inocente.

Você irá se surpreender com algumas pessoas, para o bem e para o mal, mas elas passarão.

Suas lágrimas salgadas, muitas vezes serão doces, de riso, de alegria, porque a vida não é só infortúnio, ela reserva bons momentos.

Ah meu amigo, você continua se alinhando com as minorias, batendo de frente com os senhores dos castelos e ainda não se deu conta que muitos ainda passarão por sua vida.

Sim, eles passarão, e se perderão no quarteirão da esquina, feitos nuvens passageiras, deixando no ar aquele cheiro estranho dos que seguem as manadas.

Daquilo que sou incapaz de fazer

No final de um espetáculo de dança, um jovem com cara de índio se aproximou do proscênio, abriu os braços e, pouco depois de lançar um enorme sorriso, jogou-se ao ar numa espetacular cambalhota, caindo em pé, firme, ereto, trazendo ao solo o mesmo sorriso de antes estampado na cara de índio. Fiquei completamente fascinado, continuei aplaudindo mesmo depois que todos se calaram, numa cena que costumo protagonizar sempre que me perco diante de coisas que me causam deslumbramento. Se antes já estava encantado com a dança – que nunca fui capaz de acertar os passos em qualquer nota musical – aquela volta do corpo no ar, diante dos meus olhos, obviamente se tornou um feito completamente espetacular. Sempre fico hipnotizado diante da feitura de atos que tenho absoluta certeza que sou incapaz de realizar. Dançar, dar cambalhotas, entre tantas outras. Mágica é outra arte que me fascina, mas que nunca sequer tentei desenvolver, já sabendo que na minha falta de jeito mataria o coelho, amassado por um murro certeiro na cartola, diante dos olhos incrédulos da platéia. Dos meus sonhos riscados por incapacidade, trago marcado o enterro do músico que desde criança pretendia ser. A frustração é uma constatação dolorosa. O fato é que nunca consegui tocar um instrumento musical, embora as várias vãs tentativas, sempre arrastadas por desculpas que criei na tentativa de convencer a mim mesmo que os obstáculos eram intransponíveis; porque a corda do violão feria meus dedos, os teclados do piano embaçavam as minhas vistas, que meus pulmões se mostravam cansados no sopro na trombeta e as baquetas me escapavam das mãos a cada rufar nos tambores. Então, admiro tantos os músicos, que os tenho como senhores advindos de um lugar encantado em meio à montanha, verdadeiras entidades que escaparam de um poço escondido naquela selva de encantamento e para cá vieram, habitar entre nós outros, pobre gente insensível, que não sabe criar os encantos da melodia. Carrego os olhos com sentimento semelhante ao encarar os poetas: escrevo crônicas, arrisco na prosa, sou um contador de histórias, mas não sei compor versos, embora num passado distante tenha tentado transpor ao papel os enlevados sentimentos que me afloravam à pele, especialmente quando me via sozinho e “o silêncio se tornava ensurdecedor”, fazendo com que as palavras ganhassem vida. Mas acabei me perdendo, e na ânsia louca, tentei rimar amor com calor, coração com paixão, concebi versos toscos que se perderam e que se transformaram em risos debochados que eu mesmo me dei, na indisfarçável auto crítica que sempre me faço.
E agora um universo de coisas que sou incapaz de fazer desfila na minha mente. Eu não consigo fazer malabarismos, cantar sem desafinar, subir em árvore, brincar de bambolê.
E como está em moda nas redes sociais, me declaro de humanas, que fico mesmo fascinado quando de frente com aqueles seres estranhos que sabem fazer contas, que dominam a matemática sem fazer esforços, sem coçar a cabeça e se perder em desencantos, porque somar, multiplicar e dividir, ah, isso eu também não sei fazer, não.

A revolta dos remédios

Na cozinha aqui de casa, mais precisamente na prateleira, existe uma caixa de madeira na qual guardamos remédios.


Naquela noite de tempestade, que a luz acabou de repente, com um pires de vela acesa nas mãos, me aproximei da prateleira.

A tempestade apagou os meus sentidos e num estalo me vi perdido entre meus remédios.

Estavam reunidos numa espécie de assembléia.

Tapei um dos ouvidos com a mão e aproximei o outro bem perto deles: Corus era o mais exaltado: “Sou eu que controlo a pressão arterial, portanto, mereço o posto de rei da prateleira”.

Ao lado dele, Cibofibrato balançava a cabeça em forma de apoio, já pensando no cargo de primeiro ministro.

Rompendo entre eles, Metformina se ergueu colérica: “eu controlo o diabetes, sem mim, de nada adianta controlar a pressão”.

Concordei feito um assessor bajulador, ciente da importância da Metformina, sem a qual, meu sangue adoça.

Como os ânimos permaneceram exaltados, naquela de conciliadora, Paracetamol se colocou à disposição para assumir o cargo, caso não houvesse consenso.

Fosfato de Sitagliptina ameaçou usar a força, “É na luta que impérios se constroem!”, bradou, conseguindo calar a turba por instantes.

Sonrizal rompeu o silêncio, a voz repleta de xis, ameaçando se atirar num copo d’água se não fosse atendido: “e nem quero ser rei, apenas que parem de tirar o sarro no meu jeito de falar”.

Valda, a pastilha, sorriu, cínica.

Alopurinol, Leite de Magnésio e um Xarope maltrapilho se uniram, já lançando o lema “unidos venceremos!”.

Tentei despertar beliscando meu braço, mas Mertiolate me olhou de um tão jeito estranho que acabei recuando, não sem antes prometer em pensamentos que, assim que acordasse, buscaria tratamento médico.

Foi só pensar nisso que um grupo de vitaminas olhou para mim com cumplicidade.

A passos vagarosos, dois remédios para dormir se juntaram à turba, pouco se incomodando com o Xarope maltrapilho que gritou: “Vocês vão ver o que é bom para tosse!”.

Um tanto perdido, Vick Vaporube se mostrava chateado por não ter nada para desentupir e ao passar perto de mim, cumprimentou o meu nariz, seu velho conhecido.

“Cegos!” gritou o colírio, batendo no peito, na arrogância própria dos lubrificantes, “não percebem que para ser rei é necessário primeiro enxergar?”

Me preparei para concordar quando ouvi atrás de mim uma voz metálica: “Cale-se, você está com a validade vencida!” alertou o antialérgico.

Largada num canto, Dipirona mantinha o olhar perdido, indiferente à revolta, perdida na dor da saudade de um amor do passado, uma sirigaita chamada Cibalena, que partiu sem se despedir.

Todos se calaram quando o pote de Emulsão de Scott se aproximou arrastando o seu lume de gorduras.

Ninguém se atreveu falar, completamente lesos, razão do respeito e admiração por um remédio que desde que chegou à prateleira, jamais fora usado.

E a luz voltou me trazendo à realidade, tonto, cansado, sem saber ao certo qual remédio deveria tomar.

A imposição da fé

Começo a escrever esse texto com o cuidado de quem dirige por uma estrada íngreme em dia de chuva.

Pretendo confessar: detesto música gospel, que considero insuportável e enfadonha.

Também não gosto de cebola, só que ninguém me obriga a comer cebola, enquanto a música gospel sou obrigado a ouvir em diversos locais públicos. Um amigo reclamou dias atrás: “nos coletivos urbanos tem sempre um chato com o rádio no último volume”.

Eu já disse, mas não custa repetir: não tenho nada contra quem é religioso, até os invejo um tantinho, eles que saem de casa aos domingos à noite no intuito de louvação, enquanto eu mantenho meu corpo esticado no sofá, vendo futebol e bebendo cerveja.

Noves fora os exploradores da fé, claro que percebo que a maioria das pessoas religiosas são bem intencionadas, pratica a caridade aliada à fé e isso eu respeito.

 O que me incomoda é o excesso de alguns, a insistência em querer demonstrar, inclusive através dessa música insuportável, a salvação, mesmo para quem, como eu, está se lixando para ela.

Conheço um bocado de gente estranha que afirma possuir assento cativo no paraíso, e se elas vão para lá, prefiro ficar por aqui.

Tenho o mau hábito de encontrar absurdos onde outros enxergam normalidade. Como explicar à minha razão esses excessos de reza sem caminhar pelos campos da histeria coletiva?

E se estou errado, me perdoe setenta vezes sete, como Jesus ensinou, desculpe a minha falta de jeito com as coisas do divino e entenda que nunca fui apegado à religião.

Meu nome é espírita, minha mãe que escolheu, mas dona Dalva nunca se firmou num único segmento religioso, e ainda hoje carrega aquelas lágrimas finas nos olhos que se têm quando a fé é maior do que dogmas. Assim, ela crê em todas as crenças, por mais paradoxal que isso possa parecer: oxalá, namastê, amém, ela sempre diz.

Quando criança, ficava encantado com aquelas manchinhas flutuantes que desfilam na vista quando esfregamos os olhos, e no assombro infantil, imaginava que fossem anjos.

Foi o mais próximo que cheguei a aceitar sobre a existência do céu.

Agora que cresci, as manchinhas são manchinhas que cegam, nada mais do que isso.

 “Mas que sujeito sem fé você se tornou”, reclama minha mãe.

Tento lhe explicar que sou deísta, e como tal, dispenso ritos de devoção. Assim que reclamei que nos dias de hoje jogador de futebol olha mais para o céu do que para a bola, um amigo me disse que estou me tornando intolerante.

Pode ser, mas de fato penso que se o paraíso existe, não é lugar para humanos.

 Nunca consegui encarar a foto do garotinho sírio, morto numa praia européia enquanto tentava escapar de uma daquelas guerras movidas por extremistas religiosos.

E a história nos revela tantas maldades em nome da fé…

Mas não sou um completo descrente; rezo antes de dormir e quando chove e estou sozinho, como agora, no silêncio do meu quarto, enquanto o barulho da chuva cresce e se alastra lá fora, murmuro frases bem baixinho, sem incomodar ninguém, namastê, oxalá, amém, como costuma dizer a minha mãe.

O HOMEM QUE CAIU NA TERRA

Semana passada sonhei que tinha morrido.

Sonho recorrente, que me ocorre desde pequeno, alternando pequenos detalhes.

Às vezes é água corrente, noutros moinhos de vento, ou ainda uma árvore frondosa de cujos galhos balançam sem parar flores vermelhas.

Talvez o motivo de tantos sonhos parecidos seja o medo de morrer, a certeza que somos finitos nunca me agradou.

Foi um sono profundo, daqueles com imagens próximas à realidade.

Quando acordei, ainda tateava os detalhes do lugar; dava  para enxergar o pano de fundo azul celeste, algumas nuvens e um castelo no centro de duas torres barrocas, que julguei ser o céu.

No portão me aguardava um anjo torto e desgrenhado, a cara do Tim Burton.

Ele ficou um bom tempo em silêncio, as vistas caídas num calhamaço de papel no qual procurava meu nome.

Ao fundo ouvi um solo de guitarra, talvez Sweet Child O’ Mine, não tive certeza, mas sei que desafinou no exato instante que o anjo ergueu o rosto e me olhou fingindo não me ver.

“Você morreu” – disse numa voz que não combinava com anjos.

Falou tão de perto que percebi as cebolas do seu hálito.

Para surpresa do anjo, ao invés de desespero, assenti com a cabeça e lhe fiz a pergunta que guardei comigo por muito tempo: “quando vou ver John Lennon?”.

O anjo não esperava pela pergunta, sorriu sem jeito e deu de ombros, indo se perder numa extensa plantação, tão verde que cegava e de onde saía um som parecido com o apito de navio ancorando no porto.

Foi um dia antes de David Bowie morrer.

Algumas pessoas nos levam a crer que são eternas, David Bowie era uma delas.

Pensei no anjo torto, se estivesse novamente diante dele, além de Lennon, perguntaria por Bowie.

E se fosse atendido, seria um morto feliz.

Lennon descreveu o céu, Bowie caiu do céu.

Sempre acreditei que ele fosse alienígena, desses que ficam um tempo entre nós e que demonstram tanta genialidade que findam por se transformar na junção herói, mito, lenda.

Lembro a primeira vez que vi, na tela do cinema, aquela figura andrógina; um olho verde outro azul, o jeito leve de ser, encarnando o personagem que parecia de fato existir, um alien perdido em nosso planeta em busca de água, sem máscara ou enfeites, era puramente o Camaleão Bowie, que daquele momento em diante, me cativou para sempre.

No auge do deslumbre, tentei imitá-lo. Em vão, eu não sabia compor, dançar, muito menos cantar, só sabia admirá-lo, cada vez mais.

Decorei meu quarto com um pôster seu, em tamanho natural, que ganhava vida nas noites vazias, nos breves momentos de solidão da minha juventude, e era como se falasse comigo: “é preciso enfrentar com fúria a chegada da escuridão”.

Meus amigos não entendiam aquela adoração, imaginavam exageros onde eu via poesia, compunham retratos de Dorian Gray sempre que diante do pôster, sem se dar conta que nele eu enxergava magia, beleza, enigmas.

Junto à fumaça do cigarro navegavam meus sonhos de fã ardoroso, vendo na imaginação Bowie cantar e dançar, armando no rosto aquele jeito só seu, o cabelo esvoaçante jogado de um lado para o outro, amarelo, azul, laranja, vermelho, mechas louras atravessando o rosto, o corpo esticado enquanto fitava a câmera, enigmático, se fazendo tão real, tão próximo que era como se pudesse ser tocado.

Logo depois conheci outros ídolos; Caetano, Belchior, os Mutantes e pensei que o encanto passaria como sempre passam as pequenas emoções juvenis, mas retornou mais forte, até se tornar perene.

E agora a nave retornou para buscá-lo, de volta ao lar, ao som da guitarra do sonho, que agora consigo distinguir os acordes de “space oddity”.

Sustenido, reticências, intervalo.

David não morreu, apenas voltou para casa.

A cigana leu o meu destino

No testamento da Madame de Pompadour está escrito: “Deem seiscentas libras para a Madame Lebon, por ter-me dito, quando tinha nove anos de idade, que um dia eu seria amante de Luis XV.”

Outros relatos assim estão espalhados pela história.

Mas será que alguns seres humanos conseguem mesmo enxergar o futuro?

Quem nunca teve uma experiência de adivinhação?

Eu devia ter quatorze anos e era domingo.

Juntei dinheiro a semana toda pra comprar uma coca-cola no empório que ficava no fim do caminho entre a minha casa e um acampamento de ciganos.

Eu tinha medo de ciganos.

Falavam que eles tinham trato com o demônio.

Sempre tive medo do demônio.

A minha cabeça estava em outras bandas quando dei de frente com o rosto mais lindo que tinha visto até então.

Pensei mudar de lado de calçada, mas fui fisgado por aquele olhar um tanto obliquo.

Eu era jovem demais, indefeso demais, bobo demais.

Quando dei por mim, já estava diante daqueles cabelos louros que caiam a todo instante pela testa e que tentavam, em vão, esconder o belo par de olhos verdes, tão intensos que jamais revi outro igual.

“venha, deixe-me ler a sua mão.”

Tinha voz de adulta e era uma menina cigana, mistura de anjo, demônio e sereia.

Alisou minhas mãos por alguns momentos e naquela idade tudo o que eu conseguia imaginar era nós dois correndo numa campina, eu atrás dela, que gritava de alegria tentando escapar, de mim e da chuva que desabou, molhando seus cabelos, tornando-a ainda mais bela, sonho bom que durou pouco, encerrado num puxão de braços que ela me deu e que me obrigou a levantar minhas vistas dando de encontro com seu rosto de pedra.

Garoto é mesmo bicho bobo, obedeci a tudo, calado, tentando conter um risinho de canto de boca.

Ela tinha o olhar tão gelado que logo desarmou minhas intenções.

Iniciou a visão do futuro arregalando os enormes olhos verdes até um lugar que só ela enxergava e que ficava logo atrás de mim, a voz foi saindo trêmula e os olhos mantidos fixos no mesmo lugar, como se encarasse a caverna de Platão:

“você vai se casar com uma amiga de infância, terão quatro filhos, duas meninas, dois meninos, vai se mudar de cidade e terás um escritório”.

Só acertou que eu teria um escritório.

E como com tudo eu concordava, limpou com as costas da mão o fio de suor que lhe escorreu na testa, limpando as sardas, banhando os cabelos louros, fazendo com que seus olhos invadissem de vez os meus:

“agora coloque um dinheiro na minha mão e feche os olhos”.

Na perdição do encantamento, coloquei todo o dinheiro que tinha, poucos antes que uma inquietante pergunta me percorresse de forma arrasadora: havia outro ditado sobre os ciganos, algo ainda mais tolo, dizia que eles costumavam raptar crianças e jovens e os transformar em escravos, e aquele pensamento terrível me dominou por completo, fazendo surgir em todo o meu corpo a sudorese incontrolável que foi tomando conta de mim.

No desespero do momento eu quis correr.

Ela percebeu e, apressada, danou a prever um monte de coisas boas, jogando-me no colo as riquezas do mundo, que hoje, recordar me causa riso.

Fui embora avisado que morreria bem velhinho e que não me preocupasse com dinheiro, que viria naturalmente no futuro, aos montes.

Acreditei tanto que só depois de horas fui me lembrar do dinheiro que deixei nas mãos da menina cigana.

Era tudo o que eu tinha e sequer comprei a coca cola.

Eu era (e ainda sou) viciado em coca cola.

Pensei voltar pelo mesmo caminho para lhe pedir um troco e que me cobrasse o resto no futuro, quando, afinal, segundo ela, eu teria dinheiro sobrando.

Faltou coragem.

No fim do terceiro dia os ciganos se foram e o que me restou foi aquele rosto lindo, sem retoques, que hoje, mesmo com o passar dos anos, lembro-me de cada detalhe, até mesmo das sardas.

Nunca mais tentei saber sobre o futuro, nem mesmo nessa fase de tempo, que um novo ano se inicia.

Sigo acreditando no concreto, carregado pela forte impressão que somos embalados pelos movimentos do destino, desfilando pela estrada do futuro, que é reta e lisa às vezes, esburacadas noutros momentos, cortada por diversas esquinas e transversais.

Ou talvez o caminho seja um rio, no qual navegamos em águas turbulentas, que logo se transformam em trechos mansos e é preciso desviar das cachoeiras e evitar os rebojos.

Se não estivesse cansado de tanto filosofar, terminaria por dizer que o timoneiro desse navio obedece ao nosso comando e, portanto, tudo se resume à dependência de nossas escolhas e atitudes.

Enfim, somos nós que escrevemos o nosso futuro, que muitas vezes passa pelo imponderável, dessas coisas invisíveis que nenhum vidente jamais conseguirá enxergar.

E um átimo de pensamento me ocorre, junto com a vontade louca de beber coca cola: será que aquela cigana ainda está por ai a agarrar num puxão os braços de garotos desavisados?

Será que se lembra de mim, ou já é muito tarde pra reclamar o meu troco?…

Um abraço de presente

Todo fim de ano é assim, as lojas da Rua Dom Aquino tocam aquela música enfadonha da Simone, “então é natal…“. 

De tão chata, o acorde, a letra, a voz fica tudo grudado na memória. 

Eu só queria comprar uma caneta, mas quando percebi, já estava metido à confusão de gente correndo para todos os lados na loja. 

De repente uma senhora puxou uma menina desatenta pelos braços: “ande logo, precisamos comprar o presente do meu amigo oculto”. 

Amigo oculto? 

Amigo nunca deveria ser oculto. 

Eu já tive vários amigos, muitos se perderam nas estradas do tempo, outros permaneceram por perto, aparecendo aqui e ali em encontros casuais, mas sabe-se lá o porquê, já não são tão próximos, perderam o brilho, ou fui eu que, de alguma forma, apaguei para eles. 

“Então é natal, e o que a gente fez? O ano termina e começa outra vez” 

Música chata do caralho! 

Eu e meus amigos de juventude adorávamos a versão original, com John Lennon. 

O arrepio no meu braço é risco da saudade que me atinge – saudade daqueles que se foram, dos que a vida nos separou e até daqueles que deixei de amar. 

É possível deixar de amar um amigo? 

Sim, é possível, mas não é recomendável. 

Porque a vida é ligeira e logo virá a sofrência causada pela solidão, aquele momento terrível em que nos vemos perdidos no meio da multidão, entre estranhos, procurando um rosto conhecido que nos traga a segurança e o conforto da simples presença. 

Quanto mais o tempo avança, mais tenho medo disso. 

Ainda não perdi o velho costume de andar pelas ruas chutando pedras, e cada pedra que chuto, traz a lembrança de um amigo ausente. 

Por onde andará meu antigo melhor amigo? 

As mãos que antes ajudavam a transpor abismos, hoje não passam de traços na memória. 

O movimento da loja me traz de volta ao presente 

A mãe da menina finalmente escolhe um presente. 

É uma caixa fria, escolhida na pressa, empacotada num embrulho vermelho, amassado e preso numa fita verde em forma de nó, resultando em algo tão sem graça, muito mais obrigação do que sentimento de carinho, que desviei o olhar. 

Um pensamento ligeiro me ocorre: fora o pessoal de casa, minha mulher e meus filhos, eu não tenho ninguém a presentear neste natal. 

Também não receberei presentes. 

Ok, tudo bem, nunca liguei para isso. 

Ou será que estou tentando me convencer, não admitir que seria melhor se eu tivesse um milhão de amigos – menos, bem menos, como quando era moço, dez ou quinze – e para cada um eu escolhesse, naquela loja, na qual a música chata ecoa, um presente de natal? 

E o que eu poderia dar de presente? 

Um estalo, a ideia: que tal ao invés de presente, dar um abraço? 

Mas não um abraço qualquer, frio e desajeitado, mas daqueles apertados, que chegam a sufocar. 

Calor humano, combustível que abrevia o silêncio e cala o rancor. 

Um abraço, porque não pensei nisso antes? 

E após o abraço, aproveitar para perdoar. 

Que o perdão pode ser considerado um presente ao mesmo tempo ofertado e recebido. 

Só de imaginar, sinto alívio ao perceber que a velha casca de ferida pode ser eliminada com um simples gesto. 

Saí da loja levado pelo desejo de ligar para alguns amigos, desejar-lhes um feliz natal e combinar uma cerveja no fim do dia, só pra jogar conversa fora, como antes, naqueles tempos que a amizade era maior que qualquer diferença. 

Na cabeça a música chata foi escapando aos poucos, a calma tomando lugar, agasalhada pela certeza de que é assim que eu quero o meu presente de natal, singelo e puro feito um abraço de amigo. 

Os meninos da rua da feira

Quando o caminhão de mudanças estacionou a frente da nossa nova casa, num rápido movimento de olhar percebi que havia acabado de conhecer o lugar que para sempre chamaria de meu: O bairro Taveirópolis, a vila famosa, berço de craques do passado, desde os tempos que o atual estádio Elias Gadia era nada mais que um punhado de chão pelo qual corriam homens descalços que ajudaram a transformar a pequena cidade na atual capital do Estado. Lembro do mercado da esquina, cujo dono se chamava Taveira, daí o nome do bairro. Havia por lá uma lei não escrita, mas irreparável: todo morador do bairro se considerava irmão um do outro, se protegiam mutuamente, sem enxergar cor de pele, credo ou posição social, apenas uma regra: se era morador do bairro, era um amigo eterno. E ai daquele de outras bandas que se atrevesse desafiar alguém da vila famosa, teria que enfrentar todos os outros moradores. Era o ano de 1977 e eu estava naquela fase de transformação, de menino para homem, quando a voz sai num misto de fina e grossa, findando num som rouco que a todos causava espanto e risos, o rosto repleto de espinhas e o resto do corpo começando a ganhar formas. Algo assustador e ao mesmo tempo encantador. A nova casa ficava exatamente na rua da feira e na esquina havia um terreno torto, gramado apenas nas pontas, no meio havia terra, que se transformava em barro quando chovia. Três pedaços de madeira em cada lado formavam as traves, que logo se transformaria no lugar de encanto, o nosso campinho de futebol. Campinho mesmo, as dimensões pequenas comportavam apenas dois times de no máximo seis jogadores pra cada lado.


Eu era um menino que vivia fardado com a mesma camisa e calções desbotados, os dentes falhos e os cabelos em forma de cachopa de marimbondo, algo penso para um dos lados, nem lembro qual, enfim, eu era esquisito, mas carregava sempre o sorriso que cativava e, assim, foi fácil me aproximar dos garotos da rua da feira.

Ananias era o líder da turma. Um pouco mais velho, completamente gago e de poucos estudos, ainda assim se destacava pela natural forma de chefiar o bando de guris que transitavam junto dele à espera de comando. Tinha os olhos miúdos, mas carregados de uma estranha sinceridade que às vezes assustava. Os outros meninos, às escondidas, colocaram nele o merecido apelido de taturana, fruto dos pêlos que cobriam completamente suas pernas. Eram os meninos da rua da feira. E eu era um deles. Todos tinham apelidos e assim nos tratávamos; Magriça, Bêbado, Caolho, Dentuço, Gordinho, Marilu Guimarães (Em homenagem à apresentadora da TV e depois deputada, já que o sujeito em questão tinha longos cabelos loiros carapinhos), Baixeta, Olho de porco, Alemão, Ta legal, Bagunça, Canhoto, Pintor, entre outros. Eu também tinha um apelido, do qual nunca gostei, melhor então nem comentar. Éramos pobres, alguns paupérrimos, mas ali, naquele pedaço de chão, a felicidade expandia num ritmo tão acelerado que esquecíamos do resto do mundo. Nas quartas-feiras acontecia a feira de frutas e legumes e o futebol não podia acontecer. Inventamos então uma forma de nos divertir mesmo naquele dia, assim que a feira acabava, isso lá pelas onze da manhã. Com as xepas à disposição, fazíamos a guerra da fruta e legumes podres, cada um por si, todos contra todos, dê-lhe banana podre na cara, mexericas e laranjas nas costas, abacaxis (e esses doíam muito) estourados na parte do corpo que se mostrasse exposta, pepinos e cenouras voando por todos os lados enquanto eu me protegia atrás de uns caixotes de madeiras deixados pelos feirantes. Ganhava quem acertasse a maior quantidade de tomates no oponente, que esta fruta deixava marca vermelha semelhante ao sangue. Guri tem cada idéia. Certa vez invocamos de montar um time de futebol de verdade, com onze jogadores, na posição que o Ananias definiu. Economizamos por meses, até que cada um tivesse condições de comprar uma camisa branca e calção azul. Ficou um tanto estranho, os tons das cores não combinavam, especialmente os calções, alguns mais claros ou escuros que os outros. Nem demos importância, tínhamos uma missão difícil pela frente: Escrever os números nas costas das camisas. Alguém deu a idéia de pintar com caneta esferográfica, já na primeira percebemos que não daria certo, ficou horrível. O Pintor ficou de arranjar umas tintas no trabalho, mas não conseguiu e começamos a nos aborrecer. Até que alguém teve uma idéia genial: Era só comprar um carretel de fita isolante e com elas fazer os números. Deu certo, ficou até bonita a camisa. Uma pena que naqueles tempos não existia as atuais máquinas fotográficas digitais e com o passar do tempo o cérebro vai enfraquecendo, então o que tenho em mente é um desenho perfeito, irretocável, mas pode ser que não tenha sido tão belo assim. Pouco importa. O relevante é que fomos marchando à pé pela Rua da Pátria até meados do Bairro Caiçara, num domingo de vento cortante, enfrentar o time do Esperidião, um senhor que treinava os garotos daquele bairro. Levamos uma surra, pedimos revanche, tomamos outra pisa e voltamos pras nossas guerras de frutas e legumes depois da feira, que nela éramos invencíveis e ninguém ousava nos enfrentar.

Depois crescemos e a vida nos separou.  Poucas vezes me encontrei novamente com alguém daquela turma, alguns morreram, outros se transformaram em adultos por demais ocupados, sem tempo para um abraço amigo. Restou a lembrança e sei que vou atravessar o resto da vida com esta saudade ardendo no peito, lembranças daquele pedaço de Campo Grande que não existe mais. E agora recordo que em nossas guerras de legumes inventamos uma música assoviada, bastante semelhante àquela do filme “A ponte do Rio Kwai”, e é ela que agora me vêm à mente, assovio e vejo um bando de meninos desfilando orgulhosos com tomates nas mãos, serve de alimento, afugenta a angustia, dá a certeza que o que passou foi bom e valeu muito ter vivido.

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